Lars Von Trier fez fama mundial com seu jeito no mínimo excêntrico. Sempre com um humor afiadíssimo, irônico e ácido, o dinamarquês sempre que passa por algum festival, deixa algum comentário muitas vezes mal interpretado, uma pose pedante e claro, um filme, que no maior estilo “ame ou odeie”, nunca nos deixa inertes ao que estamos vendo. Desde que dirigiu o longa “Anticristo”, esse diretor vem usando uma forma de dirigir bastante peculiar. E nesse pós-Anticristo, o que temos é o drama “Melancolia”, a mais nova obra desse dinamarquês. Se você achava que no longa anterior dele, feito num período onde ele passava por uma profunda depressão, é o mais pessimista de sua carreira, certamente você ainda não conferiu Melancolia.

Aqui estamos diante de mais um filme que o Lars von trier abusa de sua forma de direção. O início é um prólogo com cenas em câmera lenta, com uma trilha sonora instrumental, e imagens que se assemelham à quadros, de tão belas que são. Esse prólogo encerra com um planeta colidindo com a terra. O diretor vem usando esse artifício desde Anticristo, que começa exatamente assim, em câmera lentíssima. Pra quem já acompanha o seu trabalho, é impossível não ter uma certa sensação de deja vu, mas certamente quem ainda não viu Anticristo, pode ficar maravilhado com esse prólogo, como também pode achar exagerado. Mas isso não importa, já que estamos prestes a ver, nos próximos 120 minutos, algo totalmente diferente não só de tudo que o Lars já produziu, como do que nós já vimos no cinema.
Não é só o prólogo que condiz com a forma de direção do Lars, mas a sua estrutura é basicamente parecida aos seus outros filmes. Assim como em Anticristo e Dogville, o filme é dividido em capítulos (dessa vez em apenas dois). No primeiro, “Justine”, acompanhamos a cerimônia de casamento da Justine, interpretada pela Kirsten Dunst, numa festa organizada pela sua irmã Claire (interpretada pela Charlotte Gainsbourg, em seu segundo papel num filme do Lars) e pelo seu marido, num castelo onde moram. Esse primeiro momento dura cerca de 1h e é extremamente interessante, pois a forma como a alegria e o êxtase inicial dissolve-se em uma amargura, pessimismo e tristeza é muito bem conduzido. Apesar de inicialmente não termos ideia de como a personagem da Kirsten se torna tão alheia aos acontecimentos, principalmente num momento que deveria ser tão especial em sua vida, tudo é feito para que tenha propósito. Justine começa feliz, iluminada, mas ao decorrer da festa, a depressão assola e tudo se torna mecânico. Não se sabe nem como nem porquê, talvez nem ela própria, mas tudo é tão bem orquestrado e a atuação da Kirsten é tão comovente, que parece que nos é jogado um motivo para aquela mudança aparentemente repentina. A festividade é cercada de acontecimentos um tanto estranhos (certamente é um dos casamentos mais peculiares que eu já vi retratado num filme), diálogos impressionantes (como o que a Justine compara  a depressão à fios de lã, comparação essa que vemos no prólogo, numa cena onírica belíssima e uma das maiores metáforas sobre a depressão que eu já vi) e apesar de toda essa áurea de alegria se desfazendo e um pessimismo crescendo sobre todos os personagens, é o momento do filme onde podemos respirar aliviados, pois é na segunda parte que o filme entra num estado de depressão que chega a ser palpável.
No segundo capítulo, “Claire”, somos imersos na rotina da irmã da Justine após o evento que ocorreu no castelo onde ela mora. Apavorada com a ideia de um planeta chamado Melancholia que irá passar próximo à terra nos próximos dias, ela ainda terá que cuidar de sua irmã Justine, que encara uma depressão fortíssima após o seu casamento que não chegou nem a se concretizar direito. É nesse capítulo que o filme assume a premissa que até então estava sendo sutilmente mostrada durante a festividade da primeira parte: O fim iminente. O que podemos considerar como o “disaster movie” do Lars, não é carregado de efeitos visuais, mas preza pela alegoria da finitude do ser, daquilo que chamamos de “início, meio e fim”. Se o fim é certo, o que resta a fazer? Diante das 4 personagens que acompanhamos nessa parte (Justine, Claire, seu marido e seu filho), somos espectadores de formas diferentes de como encarar o fim da vida, seja o sofrimento diante de uma realidade tão dura (no caso da Claire) ou tornar-se alheia àquilo que é inevitável (nesse caso, a Justine).
Os últimos 20 minutos são sufocantes, de uma forma que nenhum filme de desastre até hoje tenha conseguido fazer. É quando somos pegos de surpresa mesmo sabendo do que o planeta Melancholia faria, e quando o silêncio final quase se torna um grito. Talvez pela fama do diretor, ou pela premissa que à um olhar inicial é um tanto estranha, Melancolia não fará diferente quanto aos outros filmes do Lars: Dividirá opiniões e abrirá debates quanto a obra. Mas certamente, não dá pra ficar alheio ao filme, aos dramas das personagens diante do fim e ao planeta Melancholia. Talvez ele esteja mais próximo de você do que você imagina.